01/04/2008 

               

Julho de 2001, recebo telefonema do CMG (FN-RRm) Jaime convidando-me para a próxima reunião da Turma JOHN TAYLOR, no dia 4 de agosto. Que satisfação para mim ser relembrado 27 anos depois, para conviver algumas horas com os Guardas-Marinha (GM) da XVI Viagem de Instrução do Navio Escola (NE) Custódio de Mello.

Noite agradabilíssima, de muitas recordações, em que pude rever vários daqueles jovens, hoje já senhores, boa parte na Reserva, alguns com os cabelos tão brancos quanto os meus e com a Turma já chegando à reta final da escolha para o Almirantado.

Mas estava reservada para o dia seguinte a maior das emoções com esta reunião. Ao abrir a Lista da Turma que recebera ao final da noite, constatei meu nome nela incluído, fazendo parte do Cadastro da Associação da Turma John Taylor.

Que mais precisaria escrever para dizer da minha experiência com a turma que realizou a Viagem de 1974, como me pediu o Jaime, para publicação na GALERA do ano de 1973, até hoje não editada? Poderia considerar cumprida a missão e encerrar aqui com apenas uma frase: aí está, nesta minha integração à Lista, o retrato da minha experiência com essa turma.

Setembro de 1973, tomo conhecimento de minha designação para fazer a próxima viagem do Navio-Escola (NE) “CUSTÓDIO DE MELLO”. Mais tarde, em contato com o então CF Bragança, pessoa indiscutivelmente sensacional, e posteriormente com o Imediato – CF Guimarães – que eu não conhecia, mas que passou a ser para mim um dos formidáveis Oficiais com quem tive a grata satisfação de servir na Marinha do Brasil (MB), fiquei sabendo que em vez de Encarregado de Navegação, eu seria o Encarregado da Turma, trabalhando diretamente com o Chefe do Departamento de Ensino, o Comandante Bragança.

Passado o impacto da notícia, iniciei meu auto tratamento “psicológico” para exercer minha futura função. A primeira coisa foi recordar-me da minha Viagem, relembrando tudo o que, como Guarda-Marinha, eu não gostara: a distância que boa parte dos oficiais mantinha de nós; o tratamento indelicado que recebíamos em determinados momentos, principalmente se estávamos de serviço no Passadiço.

Lembrei-me do meu Encarregado de Turma, que, por qualquer motivo, distribuía as famigeradas papeletas brancas, que normalmente se transformavam na perda de um ou mais dias de porto. Era uma continuação do procedimento adotado com aspirantes.

Também o próprio navio, que nunca foi apropriado para ser o nosso NE, com certeza seria, como sempre foi, um dos motivos de reclamações que eu ouviria, apesar das melhorias que recebera ao longo dos anos, nas dependências destinadas aos GM.

E o rancho, o controle dos “goods”, agora mais rígido, o banho limitado por razões de racionamento de água, os excessos nas festas? E as representações, normalmente demoradas, nem sempre agradáveis, tomando tempo precioso para o conhecimento do local e de outras coisas bem mais interessantes ?

Será que como Capitão-de-Corveta, com 34 anos de idade e com pouco mais de um ano de posto, não seria um pouco cedo para ser Encarregado de uma Turma de GM ? Sempre vira esta função ser exercida por CF antigos.

Na verdade, eu iria conviver com um grupo que, independente de antigüidade, era formado por pessoas iguais a mim, somente mais jovens; que em mais seis meses estariam compartilhando a mesma Praça D’Armas comigo ou com vários oficiais do navio; e que, em última análise, era o motivo da viagem.

Aos poucos minhas dúvidas e preocupações foram sendo superadas, graças principalmente a ajuda que tive de todos com quem precisei tratar dos assuntos preparatórios da viagem e, principalmente, do apoio amigo e profissional do saudoso Comandante Bragança, sempre prestativo, educado e paciente. Com o decorrer da viagem, fui verificando, por vários motivos, como Deus e o CF Bragança foram bons para mim, colocando-me nesta função, permitindo-me até hoje considerá-la uma das melhores comissões que tive na Marinha.

No dia 18 de dezembro de 1973, tive meu contato inicial com a Turma, comparecendo à Escola Naval (EN) para a cerimônia de Declaração de Guardas-Marinha e na ocasião conheci pessoalmente o GM Eutíquio, que me foi apresentado por quem viria a ser seu sogro, o Comandante Ricardo Murilo Matta de Araújo, pai da Débora e meu primeiro Chefe de Máquinas na Marinha, no Contratorpedeiro “AMAZONAS”, onde embarquei como Segundo-Tenente. Claro que para não fugir a praxe de Marinha, pediu logo “cocha” para seu futuro genro, como se o Eutíquio precisasse disto.

Finalmente, em 28 de dezembro era desligado para a EN e posterior embarque na “Nau da Felicidade”, como estava sendo chamado o “CUSTÓDIO” na ocasião, em razão do Comandante e Oficiais designados para compor sua tripulação.

Naquela mesma época se iniciava a terrível crise mundial de petróleo e a primeira conseqüência foi a mudança radical do maravilhoso Roteiro previsto, para outro bem mais modesto, acarretando aos GM a mesma tristeza que qualquer um teria nesta situação, depois de passar quatro anos sonhando com uma bela viagem pela Europa, que foi cortada pelo motivo mencionado.

Em janeiro de 1974, tive a minha primeira reunião com os meus “comandados” na EN, limitando-me a poucas e cuidadosas palavras, previamente acertadas com o Comandante Bragança. Na realidade ainda não me sentia à vontade e muito preocupado em tratar com mais de uma centena de GM, que a qualquer vacilo meu não me perdoariam.

Fevereiro de 1974, suspendemos para cerca de cinco meses de viagem, sob o comando do já então querido por toda a tripulação, Capitão-de-Mar-e-Guerra Valentim, que, infelizmente nos deixou logo no segundo porto visitado, Montevidéu, vítima de uma pneumonia, regressando ao Brasil justamente no dia previsto para a festa oficial do Navio e que, de dia festivo, passou a ser de tristeza geral.

Fatos e passagens com a Turma foram inúmeros os que guardei com carinho nestes 28 anos e creio que não há porque não citar alguns, como por exemplo:

– a palestra do Elkfury, no dia do aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais, palestra esta que não estava prevista no rol das que seriam feitas, mas que recebi ordem para que houvesse. Socorri-me junto a ele e como bom e eficiente “01” de turma, o Elkfury estava com ela preparada, inclusive com slides e teve todo o sucesso na sua apresentação.

– o içamento de dois Guardas-Marinha junto com a escada de portaló, quando já estávamos desatracando do porto de Callao (Perú) e a justificativa honrosa que apresentaram pelo atraso e a quase perda do navio.

– a comemoração da passagem pela Linha do Equador, quando por sugestão de alguns GM, muito bem aceita também por meu Chefe e pelo Imediato, desempenhei o papel do Rei Netuno, com uma “guarda de segurança”, constituída entre outros pelo Reginaldo, Hyppólito e Paranhos.

– nossa comovente desatracação na cidade de Vera Cruz (México), quando uma multidão de pessoas no cais, ao som de Cielito Lindo que nossa banda tocava, ficou acenando lenços brancos e, contrariando ordem em vigor de fazer os GM permanecerem imóveis durante os postos, recebi a de fazê-los retribuir de algum modo aquela manifestação carinhosa. A única medida que me ocorreu foi a de fazê-los acenar com os bonés, mas, evidentemente, não pude impedir que alguns ensaiassem passos carnavalescos.

– as ótimas recepções oficiais do navio, das quais a maior parte da Turma delas participava entusiasticamente, enquanto uns poucos, como sempre acontece nestas ocasiões, se limitava a guarnecer um copo de whisky e lançar olhares conquistadores, mas, normalmente, acabavam a noite curtindo, sozinhos, um beliche do alojamento. O mais conquistador, encontrei meses depois da viagem na piscina do Clube Militar, já casado e cuidando do neném.

Em quase todas elas adotei uma medida para evitar que muitos ficassem parados: saía dançando com uma jovem e depois de alguns minutos me aproximava de um GM e, dando uma desculpa ao meu par, pedia-lhe que continuasse a dança. Esta medida passou a ficar conhecida e se a jovem era bonita, alguns deles chegavam a fazer-me sinal se oferecendo para continuar a dançar com ela; caso contrário ficavam fugindo de mim, até que eu encontrasse um distraído.

Em um determinado país, fui solicitado pela esposa do Comandante a conseguir um GM que dançasse com a filha de uma autoridade local. Ao vê-la, pensei o quanto seria difícil atender ao pedido e estava certo. Fui obrigado eu mesmo a cumprir esta “quota de sacrifício”, pois, como por encanto, os GM que não estavam dançando, desapareceram. Logicamente, no dia seguinte, fui “elogiado” por vários.

– a comemoração do meu aniversário, quando o Lages, empunhando o seu violão, cantou uma música de sua autoria, referindo-se ao “Asa Branca”, em razão de eu ter passado 34 dias com o braço engessado, fruto de um jogo de futebol em Rio Grande-RS, o primeiro porto da viagem.

– as reclamações constantes do “Mar e Guerra” Sérgio Fontes, que invariavelmente acabavam em uma boa conversa;

– a tristeza que nos causou o problema havido com o Isidoro, que precisou ficar internado em um hospital de Miami. Em razão deste fato, recebi sérias reclamações, em especial do Gilberto Ferreira, que queriam a todo custo que o navio conseguisse um quarto particular para o Isidoro. O fato em si, mostrou a solidariedade e a integração da urma.

– os jantares no refeitório, nas noites em viagem, a que comparecia juntamente com o Comandante Bragança e sempre com a companhia de 3 ou 4 GM, quando se conversava sobre os mais variados assuntos e ouvia-se histórias, solicitações e reclamações;

– os almoços de despedida em Fortaleza com os Intendentes e em Salvador com os Fuzileiros Navais, nossos dois últimos portos.

Além de contar com a formidável colaboração dos três “01” – Gilberto Ferreira (CA), Elkfury (FN) e Souza Aguiar (IM), posso afirmar que tive durante toda a comissão um apoio indiscutível de toda a turma, principalmente nos momentos mais difíceis que passamos. Sempre me entenderam, sempre cooperaram comigo, sempre me procuraram para conversar sobre os futuros embarques como Segundo-Tenente e até mesmo sobre problemas pessoais os mais diversos, que envolviam desde compras a casamentos, permitindo-me integrar-me cada vez mais à Turma.

Foi em muitas dessas conversas que, tenho certeza, ajudei a vários a optar pelo embarque em navios da DHN e mais tarde cursar Hidrografia e Navegação, a mais bonita e marinheira das nossas especializações.

Ainda por ter tido este total entendimento com a Turma, fiquei muito a vontade para, no regresso da viagem e a pedidos de colegas de turma e de outros oficiais, indicar vários para seus respectivos navios e nunca ouvi desses oficiais qualquer comentário ruim sobre tais indicações, muito pelo contrário.

O embarque no “CUSTÓDIO” para esta Viagem, foi mais que um incentivo ou um prêmio para mim. Como sempre comentei ao longo da minha vida, ela me fez remoçar alguns anos, graças ao convívio respeitoso, amistoso e de companheirismo que tive com os GM. Sem dúvida, uma experiência sensacional.

Foi tudo muito mais fácil do que imaginei, mas reconheço que para isto pesou , sobremaneira, a compreensão e o apoio total que tive de todos os Oficiais do Navio e principalmente do Chefe do Departamento de Ensino e do Imediato, que realmente procuraram sempre dar aos GM o tratamento de Oficiais, dentro das possibilidades e das carências do “CUSTÓDIO”.

Foi com a autorização do Imediato e do CF Bragança que diminuí paulatinamente a quantidade de GM escalados para representações, uma das suas queixas iniciais, pois nos primeiros portos era realmente exagerada e em alguns casos completamente fora de propósito. Se o roteiro já não era bom, o tempo perdido com as seguidas e cansativas representações irritava a todos.

Ainda pelo discernimento e visão de ambos, consegui que aos poucos e em determinados eventos, os GM passassem a participar da Praça D’Armas e sempre o fizeram de forma altamente educada, correta e militar.

Até o final de minha carreira tive a oportunidade de servir direta ou indiretamente com alguns componentes da turma, como o Marques de Macedo, grande companheiro de “BARROSO PEREIRA”, o William (Pinto Coelho), 0 Pimenta, o Frossard e o Paulo César e, já na Reserva, trabalhando no Estaleiro Caneco tive vários contatos com o Spranger, na DEN e com o Estermínio no AMRJ.

Convidado, com muita satisfação compareci a cerca de duas dezenas de casamentos do pessoal da Turma. Indiscutivelmente, ter sido o Encarregado dessa Turma foi uma experiência ímpar para mim. Do meu receio inicial, cheguei plenamente realizado ao final da Viagem e até lamentando seu término.

Sou muito grato a todos, em especial ao Jaime, por mais esta oportunidade de relembrar a nossa Viagem, o que para mim é sempre muito agradável e me proporciona momentos felizes. Por fim, quero louvar a perseverança e o espírito de turma de todos os que, ao longo de tantos anos, têm lutado por esta idéia de ver publicada “A GALERA” relativa à TURMA JOHN TAYLOR, principalmente porque considero ser esta publicação um repositório do tempo passado na EN por cada um de nós, que, enquanto lá, desejamos que passe bem rápido, mas hoje, sem dúvida, gostamos de relembrá-lo e, se fosse possível, estar iniciando tudo de novo.

Haveria a Turma JOHN TAYLOR e, quem sabe, eu voltaria a ser indicado seu Encarregado na Viagem de Instrução.

Como seria bom!